“o dia não veio,/o bonde não veio,/o riso não veio,/não veio a utopia/e tudo acabou/e tudo fugiu/e tudo mofou,/e agora, José?” (Carlos Drummond de Andrade)
É difícil, senão impossível, alinhavar os adjetivos suntuosos que a marca Brasil recebeu nos últimos anos, somos agora o país que superou a crise antes dos outros, o país do bolsa família, o país da democracia vibrante, o pais do sindicalista, pobre e retirante, que surpreendeu a todos com sua política monetária convencional, com a corrupção convencional e com alianças, também elas, convencionais, fisiológicas e escusas, eis o país que abandonou o futuro em nome do presente.
Em nome do presente, rasgamos a responsabilidade fiscal, desrespeitamos os órgãos de controle da união, ascendemos velas para a esquerda autoritária, para bombas no Irã e, no deserto bíblico, pregamos a paz ideológica, ameaçamos comprar caças por bilhões de dólares sem consultar técnicos ou conveniências éticas que atentam para a transparência, levamos adiante o projeto antiglobalizante de taxar os investimentos externos, mantivemos sedados os articulistas, ameaçamos a imprensa com o “belo” golpe do controle social e, calamos as universidades, somos agora, pasmem, uma potencia que já se diz de outro mundo, afinal, o que poderemos mais?
Nada disso soa estranho aos ouvidos de quem vê, basta sondar as expectativas e veremos que o nosso povo, o mesmo que mantém elevada a popularidade do presidente e aplaude seus discursos, espera receber todas as benesses que não vieram, mas virão. Nesse ponto José, tuas palavras serão duras porque como bem diz o bardo:
Com a chave na mão/ quer abrir a porta,/não existe porta;/quer morrer no mar,/mas o mar secou;/quer ir para Minas,/Minas não há mais./José, e agora?
Eis ai o nosso desatino, a pior herança é a de expectativas que não se realizam, somos o passado do presente, a negação do futuro, porque o máximo que fizemos, com a consternação e omissão de muitos, foi amplificar nossos compromissos com um Estado que só cresceu, alavancamos os bancos públicos para além da conta, e aos pobres de todas querências acenamos com assistencialismos e palavras tortas de um falso profeta que nunca articula a palavra a favor do bom senso. Aumentamos os gastos correntes e com a folha de pagamentos, inchamos a máquina pública, criamos fundos mútuos, verdadeiras cooperativas, para os camaradas, entregamos estatais para a militância, e, findo o ciclo, o que o país parece esperar é a ode à alegria dos campeões, quando o que nos espera é a realidade crua das nossas ineficiências, nossas exclusões, nossa baixa produtividade.
Receberemos nossos filhos (não) educados em escolas lúgubres e mal cuidados, estradas congestionadas e sem sinalização e infra-estrutura adequadas, aeroportos atuando em ponto cegos, e, como nos anos noventa, ainda somos vulneráveis a apagões, nossas fontes de energia não são reais, são feitas de buracos abissais como os negócios de nosso estado, os pais de família e suas crianças não acreditam no esforço árduo e no trabalho digno como possibilidade de mobilidade social real, o que nos prende numa armadilha de desigualdades, e nossos empregos ainda carregam o vicio de ganhos reais nos salários mínimos, enquanto a massa salarial se deteriora, nossa classe c se deslumbra com o consumo sem empregos e/ou oportunidades de gerar a sua própria renda, somos a terra infértil com um passivo em aberto para as próximas gerações, só nos resta torcer por José, mas como no poema, sabemos que não será fácil: “você marcha, José! José, para onde?”
Sabino da Silva Porto Júnior, economista